Nascido em Saint Vith, Bélgica, no ano de 1988, Thierry Neuville é dos pilotos mais experientes do plantel atual do WRC, contando já com cento e quarenta e cinco participações ao mais alto nível, cinquenta e oito pódios, dezassete vitórias e cinco vice-campeonatos. Para muitos adeptos não passa de um piloto com um feitio difícil, sobrevalorizado e o “eterno vice”. Mas será justo que a carreira do Thierry venha a ser relembrada dessa forma?
Recuando uns anos, o Thierry Neuville começou a participar em rallies em 2007, com apenas dezanove anos, num Opel Corsa A GSi. Em 2008 fez diversas provas nacionais pela Bélgica, Alemanha e Áustria. Foi com um carro da marca do “Double Chevron” que em 2009 venceu o “Citröen Rally Trophy Belux” disputado na Bélgica. Ainda em 2009 fez a sua estreia com carros de tração integral no Rally de Ypres onde com um acidente deitou as esperanças de um bom resultado ao lixo.
Em 2010 conseguiu construir um projeto internacional com algumas participações no IRC, com um Peugeot 207 S2000 da Team Bel-Lux, e no JWRC, com um Citröen C2 S1600. Em ambos os campeonatos conseguiu alguns resultados interessantes, vencendo até o Rally da Bulgária na classe JWRC, mas foi uma época marcada por bastantes desistências com alguns acidentes pelo meio.
Em 2011 manteve-se com o Peugeot da Team Bel-Lux para uma temporada completa no IRC e a sua época começou como a anterior, ao desistir no Rally Monte Carlo. Após esta prova iniciou a sua parceria com o navegador Nicolas Gilsoul, que durou até 2021, e os resultados mudaram. Com um terceiro lugar no Rally Islas Canarias e vitória no Tour de Corse a mostrarem que era capaz de bem melhor do que tinha mostrado até então! Até ao final da época venceu apenas mais uma vez, em Sanremo, mas marcou pontos mais regularmente, acabando em quinto no campeonato.
Em 2012 foi contratado pela Citröen Racing para a sua equipa júnior e iniciou a sua aventura no WRC apenas cinco anos após ter começado a correr! Foi um ano de estreia difícil com bastantes erros e acidentes e apenas pontuou pela primeira vez no Rally de Portugal, quarta ronda. Até ao final da época pontuou apenas mais seis vezes, terminado no sétimo posto com cinquenta e três pontos. Demonstrou bastante rapidez mas também a sua inexperiência e juventude, cometendo bastantes erros.
Em 2013 assinou com a M-Sport, juntando-se a Mads Østberg, Nasser Al-Attiyah e Evgeny Novikov. E após um início em falso em Monte Carlo, com um acidente, iniciou-se a caminhada que o colocou no mapa do WRC. Numa equipa como a M-Sport com orçamentos bastante mais baixos que as suas rivais (como acontece ainda hoje) e um Ford Fiesta subdesenvolvido, foi vice-campeão! Conseguiu o seu pódio de estreia no México, a terceira ronda, e na Grécia iniciou uma sequência de nove provas dentro do top-5 até ao final do ano. Fez um total de sete pódios em treze provas e foi devido à sua enorme consistência que conseguiu o 2º lugar no campeonato, numa época, onde convém afirmar, Jari-Matti Latvala no VW Polo tinha obrigação de fazer mais e melhor. Thierry Neuville terminou a cento e catorze pontos do Sébastien Ogier, a maior distância entre os dois primeiros do campeonato de sempre.
Em 2014 assinou pela Hyundai, que estava de regresso ao WRC após onze anos de ausência, e tornou-se o piloto principal de uma marca que tinha um projeto ambicioso. Até à saída da VW Motorsport no final de 2016, foram anos sem grande sucesso, com a equipa a afirmar-se aos poucos no campeonato e a marca germânica a dominar por completo. Ainda assim, o Thierry Neuville conquistou duas vitórias e terminou como vice-campeão em 2016.
Com a mudança dos regulamentos em 2017 e a saída de cena da VW Motorsport, a Hyundai foi das equipas que melhor se posicionou para lutar pelos títulos ao construir um carro que diversas vezes foi o alvo a abater. Mas o Thierry Neuville teve um arranque em falso ao terminar fora dos pontos em Monte Carlo e na Suécia, após cometer erros “infantis” quando liderava confortavelmente ambas as provas! A partir do México recompôs-se e conquistou quatro vitórias e mais três pódios para terminar a época como vice-campeão, vinte e quatro pontos atrás do Sébastien Ogier.
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Em 2018 esteve numa luta a três pelo campeonato com Sébastien Ogier e Ott Tänak, que assinou pela Toyota e vinha a subir de rendimento no WRC. Foi uma época muito equilibrada com um novo erro em Monte Carlo, problemas mecânicos no México e uma falta enorme de ritmo na Finlândia. À partida para o Rally da Austrália, que fechava a época, encontrava-se a três pontos do líder, Sébastien Ogier, numa prova que prometia um duelo incrível na decisão do campeonato! Mas um furo logo no primeiro dia de prova deitou tudo a perder, acabando por desistir após errar ao despistar-se no último dia de prova. Na época seguinte, houve uma inversão da ordem competitiva com a Toyota e Ott Tänak a dominarem a época. O Thierry Neuville voltou a ser vice-campeão, numa época onde foi bastante mais regular e onde marcou mais pontos que em 2017 e 2018!
Em 2020 começou com o pé direito ao vencer em Monte Carlo, mas problemas mecânicos no México, um toque na Estónia e problemas mecânicos em Monza, marcaram a época desapontante da marca sul-coreana. O Hyundai i20 já não era o carro mais competitivo e por diversas vezes se notava que tanto o Thierry Neuville como Ott Tänak tinham de ir além do limite do carro para conseguir acompanhar os Toyota.
Na temporada seguinte, a última daquela geração de carros do WRC, voltou a confirmar-se isso mesmo, com o belga a ser terceiro no campeonato e a ficar a cinquenta e quatro pontos do campeão, Sébastien Ogier.
Com os novos regulamentos híbridos a entrarem em vigor na temporada de 2022, era um novo começo para todos, mas a Hyundai errou em todos os sentidos. Em Monte Carlo o Thierry Neuville arrastou o Hyundai i20 até ao sexto lugar, numa prova que ficou evidente a falta de preparação da marca sul-coreana. Durante o resto da época o rendimento da marca subiu consideravelmente, com Ott Tänak e Thierry Neuville a vencerem cinco provas. Foi uma época marcada por diversas picardias entre os dois pilotos da Hyundai que gerou um ambiente menos positivo na equipa, culminando na saída do Ott Tänak, que acusou a marca sul-coreana de proteger em demasia o piloto belga.
Até certo ponto concordo com o Ott Tänak, mas por outro lado, o Thierry estava com a equipa desde que regressou ao WRC. Ajudou a equipa a conquistar os seus primeiros pódios, vitórias e até campeonatos de construtores. É natural que a equipa tenda a estar do seu lado, mas isso não invalida que não possa ajudar os restantes pilotos na luta pelo título, visto que o Ott Tänak era o único com reais chances contra o Kalle Rovanperä.
Polémicas de equipa à parte, o Thierry Neuville mostrou ao longo dos anos que é um piloto muito rápido, ao nível dos melhores. Mas mentalmente não, cometendo por vezes erros evitáveis e a vacilar em momentos cruciais. Em 2017 e 2018 tinha todas as condições para ser campeão (o Hyundai i20 era o melhor carro do campeonato) mas não o conseguiu, mais por demérito seu do que por mérito do Sébastien Ogier.
Atualmente com trinta e quatro anos, há grandes chances de nunca vir a ser campeão, mas penso que a sua carreira merece ser relembrada por mais do que o “eterno vice”. Sempre foi um piloto com uma determinação e resiliência de invejar, nunca desistindo na adversidade e não é por acaso que apenas em 2022 foi batido por um colega de equipa no WRC! É um feito assinalável, tendo em conta que teve como companheiros de equipa Ott Tänak, Andreas Mikkelsen, Hayden Paddon e Dani Sordo.
Quem ouve o podcast VFF1 WRC sabe que é o meu piloto preferido do WRC e chamou-me à atenção em 2011 na Golden Stage do Rally do Chipre, última prova da época do IRC com uma condução espetacular e bem para lá do limite do que o Peugeot 207 S2000 aguentava! E termino este texto com a recomendação de verem a transmissão que me fez render ao Thierry Neuville.
Vasco Moura