Em janeiro transato, Cyril Abiteboul foi oficializado como o novo diretor de equipa da Hyundai Motorsport e a notícia foi recebida pela comunicação social e adeptos, eu incluído, com algum negativismo. A fama que conquistou na Fórmula 1, em especial na série Drive To Survive, contribuiu imenso para isso ao nunca ter sido um diretor de equipa consensualmente apreciado pela grande generalidade dos adeptos.
Contudo, o WRC é uma categoria muito diferente da Fórmula 1, com uma competição menos tóxica, menos feroz e menos implacável. Alguma das equipas da Fórmula 1 retiraria um carro de competição porque uma equipa rival perdeu um piloto uma semana antes da prova? Não, mas também espero nunca ter de ser provado que estou errado nesta questão. O desportivismo e competição saudável é algo que, felizmente, ainda abunda no WRC.
Independentemente da sua reputação, Cyril tem quase oito anos de experiência de liderar equipas na categoria máxima do desporto automóvel. Essa experiência e know-how adquirido é fulcral para a Hyundai que se encontra algo moribunda desde a saída do seu anterior diretor de equipa, Andrea Adamo, em dezembro de 2021. Liderada pelo italiano, a marca sul coreana conquistou os seus únicos títulos de construtores em 2019 e 2020. Julien Moncet, diretor do departamento de motores da Hyundai, foi o diretor de equipa interino até à antecipada chegada de Cyril.
A equipa encontra-se no WRC desde 2014 e apesar de muito potencial demonstrado, especialmente desde a saída da Volkswagen no final de 2016, foram poucas as vezes que o conseguiu transformar em resultados. Esse potencial foi muitas vezes desperdiçado por sucessivos problemas mecânicos nos carros, alguma desorganização e má gestão. Como exemplo, não é aceitável uma equipa de alto nível ficar uma temporada com um diretor de equipa interino, como aconteceu em 2022. Foi um ano desperdiçado, especialmente sendo o ano de estreia de novos regulamentos que trazem consigo tantos novos desafios que precisam de ser resolvidos para o sucesso tanto a curto como a longo prazo.
No presente ano, a Hyundai tem tido uma temporada bastante atribulada.
Esapekka Lappi e Craig Breen juntaram-se a Thierry Neuville e Dani Sordo no final da época transata. Em Monte Carlo, com exceção do pódio de Thierry Neuville, a equipa esteve bastante anónima e longe da concorrência. Na Suécia, tivemos um duplo pódio para Craig Breen e Thierry Neuville, onde ficou evidente uma das decisões de Cyril Abiteboul para a temporada: Thierry é o piloto prioritário para lutar pelo campeonato de pilotos e não terá problemas em utilizar ordens de equipa para assim o garantir. Para alegria de uns e tristeza de outros, a estratégia correu mal com o belga a perder a posição na powerstage. No México, Esapekka Lappi bateu quando liderava a prova, Thierry Neuville conquistou mais um pódio e Dani Sordo terminou num longínquo quinto lugar a quase três minutos do vencedor.
Antes da prova na Croácia, num teste de preparação, Craig Breen perdeu a vida num acidente, deixando a equipa com o peso emocional do luto de uma pessoa brilhante como era o irlandês. Competitivamente, a prova foi bastante difícil com Esapekka Lappi a conquistar o seu primeiro pódio com a equipa.
Em Portugal, voltamos a ter a Hyundai sem ritmo para acompanhar a Toyota, valendo-se dos azares alheios para conquistar um duplo pódio com Dani Sordo e Esapekka Lappi. Na Sardenha voltamos a ver as ordens de equipa em ação, com o Thierry Neuvilla a vencer numa dobradinha com Esapekka Lappi em segundo lugar.
Está a voltar a ser uma época algo irregular para a Hyundai que aspira voltar a vencer o campeonato de construtores. Contudo, acredito que estão a ser criadas fundações para um crescimento da equipa no futuro. Devido à sua experiência fora da categoria, Cyril conseguirá ter uma visão diferente do que pode ser melhorado na equipa.
Recentemente, o francês expressou o seu desejo de tornar a Hyundai numa equipa mais orientada para a engenharia e simulação digital, semelhante à forma de trabalhar na Fórmula 1, para ajudar a combater as sucessivas reduções em dias de testes permitidos para as equipas do WRC ao longo da época. Será um passo muito importante a dar para o futuro da competição.
Cyril revelou também que queria restruturar a equipa, de forma a dar clareza aos cargos e responsabilidades de cada elemento. Para tal, em maio contrataram François-Xavier Demasion para o cargo de diretor técnico, posição que se encontrava vaga. François irá juntar-se como homem forte do departamento técnico ao diretor do departamento de motores Julien Moncet e ao consultor técnico Christian Loriaux. É uma contratação muito importante, dada a sua experiência e credenciais demonstradas no WRC onde fez parte dos projetos da Peugeot, Subaru e da Volkswagen.
Após o desaparecimento de Craig Breen, a Hyundai ficou com um lugar vago na equipa porque Dani Sordo apenas fará uma época parcial. Para ocupar o lugar no terceiro carro, Teemu Suninen foi contratado para, pelo menos, participar nas provas da Estónia e Finlândia, sendo o restante calendário para já desconhecido.
É uma decisão sensata por diversos motivos, tais como, o facto de Teemu ser um piloto que já conhece a equipa, devido a estar no programa do WRC2 desde outubro de 2021, e por ambas serem provas muito rápidas e nas quais o estilo de condução do finlandês o ajudam a sobressair. De relembrar que o histórico de Thierry Neuville em provas rápidas como a Finlândia não é nada impressionante e devido a tal Teemu Suninen terá aqui ainda mais importância na tarefa de ajudar a equipa a marcar o maior número de pontos possíveis. É uma segunda chance no WRC que muitos pilotos não têm, especialmente agora que o campeonato tem apenas dois construtores e meio, por isso estou curioso de ver o que fará Teemu nas próximas provas!
Emil Lindholm, campeão surpresa do WRC2 em 2022, também foi contratado, mas ficará para já no programa de desenvolvimento de jovens pilotos da Hyundai, tendo confirmada a sua participação no Rally da Estónia num Hyundai i20 Rally2. O jovem finlandês deixa assim a Toksport, entrando numa das equipas de fábrica do campeonato. É uma excelente contratação para o futuro, mantendo-o para já a adquirir mais experiência num campeonato supercompetitivo como é o WRC2 e também porque Dani Sordo parece estar cada vez mais perto de se retirar. Faria todo o sentido Emil estar em 2024 no terceiro carro da equipa a fazer uma época parcial.
Esta contratação também é uma decisão importante que Cyril já tinha mencionado publicamente. É o regresso do programa de desenvolvimento de jovens pilotos da Hyundai que terminou no final de 2022, aquando do despedimento de Oliver Solberg, justificado pela necessidade de apostar em pilotos com maior experiência para obter resultados no imediato.
Para concluir, Cyril Abiteboul tem tido um início de carreira no WRC positivo. Os resultados no imediato podem deixar algo a desejar, mas sob a sua liderança, a Hyundai tem tomado decisões que parecem ser bastante positivas que parecem encaminhá-los para o sucesso a médio/longo prazo. Têm-me surpreendido bastante porque não esperava ver a Hyundai tomar decisões como estas, que acima de tudo parecem demonstrar um maior sentido de futuro e de permanecer no WRC para além do atual regulamento. Até à data parecem ser boas decisões para contrastar com o que têm sido os últimos anos. Tem sido uma lufada de ar fresco!
Vasco Moura