O desaparecimento de Craig Breen na Croácia, e da dupla Julio Castrillo / Francisco Álvarez em Espanha, levou muitos a questionarem-se sobre o estado atual da segurança do WRC, e dos rallies em geral. Existe realmente um problema de segurança?
No WRC tem havido avanços incríveis na segurança das máquinas que vemos voar pelas classificativas. A última vítima a bordo de um carro numa prova do WRC foi Michael Park, navegador do Markko Martin, no Rally da Grã-Bretanha em 2005. Os carros estão muito mais rápidos e temos visto, infelizmente, alguns acidentes impressionantes que comprovam isso mesmo. Ocorrem-me imediatamente as imagens do Ott Tänak a “voar” estrada fora no Rallye Monte Carlo em 2020 ou as imagens do resultado do acidente do Thierry Neuville nos testes de desenvolvimento do Hyundai i20 Rally1 no final de 2021.
Estamos a caminho de atingir o limite da rapidez dos carros no WRC para o que é considerado seguro? Talvez e é para isso que existe um departamento de segurança da FIA que tem mais informação e conhecimento para poder julgar isso. Ao longo dos anos a FIA tem introduzido muitas evoluções positivas na segurança do desporto automóvel e como tal, tenho confiança que tomem as melhores decisões.
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Mas é possível as organizações das provas fazerem mais para melhorar a segurança de todos os envolvidos? Absolutamente.
O ACP muitas vezes é criticado pelo excesso de segurança no Rally de Portugal e por colocar os adeptos em “jaulas” e longe da estrada. Porém, eu concordo que tal tem de ser feito devido à evolução da rapidez dos carros, não só dos Rally1, mas também dos carros Rally2. Os Rally2 atualmente têm duzentos e noventa cv de potência e um peso mínimo de mil duzentos e trinta quilos. O Peugeot 307 WRC no qual morreu o Michael Park tinha trezentos cv de potência e pesava exatamente o mesmo que um Rally2 atualmente. Os carros da segunda categoria máxima da pirâmide dos rallies estão ao nível, ou até a um nível superior, do que era o topo há dezoito anos. Com tudo isto tem de haver um compromisso e os adeptos são colocados em zonas mais seguras, de forma a que consigamos desfrutar do espetáculo.
Infelizmente muitos outros eventos do calendário do WRC não possuem regras tão apertadas para os adeptos e em alguns, e sou especial crítico do Rally da Argentina, vêem-se situações totalmente lamentáveis. As imagens que vimos dos acidentes do Esapekka Lappi em 2019 e do Hayden Paddon em 2015 são a prova disso mesmo e felizmente ninguém se magoou.
Mas algo tem de ser feito para melhorar as classificativas onde se corre? Não. As estradas são do domínio público e apenas têm de estar preparadas para lidar com o tráfego rodoviário comum.
Uma das grandes atrações desta modalidade são essas mesmas estradas, onde vemos os nossos heróis voar nelas e onde fazem tudo parecer tão fácil. No máximo, têm de arranjar formas de as tornar mais lentas, como por exemplo, no Rally do Vidreiro onde se fazem chicanes com os cruzamentos no pinhal de Leiria para reduzir as médias das velocidades, ou criam critérios mínimos de segurança para as estradas usadas em competição, porque se for para correr em estradas muito seguras, e pensadas para competição automóvel, acaba-se com isto tudo e vamos todos ver corridas apenas em circuitos.
Com isto, acho que não existe um problema de segurança, existem sim acidentes que infelizmente fazem parte do desporto. Faz parte do risco que todos correm quando se sentam no carro para ir competir. O que aconteceu com o Craig Breen foi uma infelicidade gigante que não dá para prever. Talvez a única solução para um acidente onde a vedação entra pelo vidro, num impacto a menos de trinta e cinco quilómetros por hora, seja usar vidros mais resistentes, tipo vidros à prova de bala (aumentando o peso dos carros consequentemente). Mas será que é exequível e realmente necessário?
Mas o que já começa a ser um problema de segurança é a falta de regulamentação de uma superlicença para os rallies.
Não deveria ser permitido pilotos amadores e com pouca experiência se sentarem em carros Rally2 e conduzir em provas só porque têm dinheiro para o fazer. O amadorismo dos rallies já não pode existir a este nível e o desporto automóvel, que nostalgicamente recordamos do século passado, em que um piloto tinha uma reduzida equipa de mecânicos e era quase só sentar no carro e correr já acabou, e não volta.
Como tal, acho que seria sensato limitar o cidadão comum a usar carros até à classe Rally3 e criar uma superlicença para ser possível competir com carros Rally2 e Rally1. A classe Rally3 são carros de tração integral com a potência a rondar os duzentos e trinta cv e são mais do que suficientes para qualquer piloto/a ser capaz de mostrar o seu andamento, se divertir e ao mesmo tempo reduzir os riscos de segurança para todos os envolvidos. É uma classe que tardou em aparecer, mas que acredito que irá vingar no futuro, à semelhança da classe Rally2.
Aliás, eu até ia mais longe nos regulamentos e em Portugal, por exemplo, nenhum piloto poderia competir no CPR sem passar pelos campeonatos Start e/ou Promo, à semelhança do que aconteceu nos Campeonatos de Iniciados durante muitos anos do século passado. A experiência em competição é fundamental e começar por baixo é a melhor forma de a conseguirem, independentemente das perspetivas de carreira desportiva que cada um possa ter. Um exemplo de que às vezes podemos aprender com o passado...
Obrigado por terem lido, um abraço.
Vasco Moura